Aaron Swartz, liberdade de informação, manifesto guerrilha acesso livre e a responsabilidade dos bibliotecários.
Por Moreno Barros
Fiquei sabendo do suicídio de Aaron Swartz na manhã de domingo.
Aaron era um prodígio da programação
e célebre ativista de tudo relacionado ao conhecimento livre. Eu vinha
acompanhando as suas façanhas mais de perto desde que foi acusado de
roubar 4 milhões de artigos científicos da JSTOR, empresa que em
determinado momento, esbarrava em meus estudos sobre os quatro
cavaleiros do apocalipse da publicação acadêmica com fins lucrativos.
Os bibliotecários brasileiros podem não saber, mas Aaron tomou partido de algumas coisas que fariam Ranganathan ter orgulho.
Em 2000, quando ele tinha 13 anos,
foi finalista de um prêmio para inovação. Seu projeto era criar um site
que serviria como uma compilação do conhecimento humano, dividido em
categorias como uma enciclopédia. Estaria aberto para que pudesse ser
incrementado por qualquer pessoa que se considerasse um especialista em
qualquer assunto, em qualquer campo. Isso aconteceu alguns meses antes
da Wikipedia ser formalmente lançada.
Em 2006, aos 19 anos, Aaron
arquitetou e codificou o OpenLibrary.org, projeto que prevê uma página
web para todos os livros do mundo. Todos. Em todas as línguas. Como
usuário do sistema, ele ajudou a colocar centenas de livros sob domínio
público no site, que estavam de alguma forma inacessíveis ao grande
público.
Em 2008, ele começou a bater de
frente com a OCLC e denunciar a maneira como a entidade gerenciava os
dados das bibliotecas nos Estados Unidos. A OCLC que inicialmente
operava como um serviço catalográfico cooperativo sem fins lucrativos,
continuou a cobrar das bibliotecas membros valores galopantes, mesmo
depois que os custos de operação tivessem reduzido com o avanço da
tecnologia. Além disso, orquestrou uma alteração em seus termos de uso
para garantir o monopólio sobre o gerenciamento dos registros. A OCLC
até hoje possui uma política restritiva em relação à utilização dos
dados das bibliotecas, o que contribui para o fato de os registros
bibliográficos não aparecem como poderiam nos resultados de busca no
Google (coisa que eu já tratei, no âmbito brasileiro, aqui).
Em outra ação individual, aos 23
anos, ele ajudou a criar o plugin RECAP para oferecer acesso público
gratuito a documentos judiciais do governo americano que estão sob
domínio público. Os tribunais federais de lá usam um sistema de depósito
eletrônico chamado PACER (Public Access to Court Electronic Records).
Tudo é acessível ao público, mas a uma taxa de 10 centavos por página. O
dinheiro excede em muito os custos de funcionamento do sistema, de
forma que os tribunais estão claramente violando a lei federal ao
desviar essas taxas para cobrir suas outras despesas. Aaron acreditava
que estes documentos de domínio público deveriam ser genuinamente
públicos. Por isso, ele tomou o passo corajoso de espalhar (seeding)
este sistema, indo em uma biblioteca pública aprovada para o uso do
PACER (a Circuit Court of Appeals Library em Chicago), para baixar o que
era de domínio público e, em seguida, fazer o upload de 20 milhões de
documentos, que inicialmente foram oferecidos ao site
public.resource.org. Com o desenvolvimento do RECAP, cerca de 800 mil
documentos estão hoje disponíveis no Internet Archive.
Graças a essa iniciativa milhões de
documentos de domínio público têm sido utilizados por milhares de
pessoas de graça, incluindo pesquisadores que jamais poderiam pagar as
altas taxas para obter acesso (uma espécie de lei de Acesso à Informação
brasileira ou americana, que funciona na prática).
Finalmente, em 2011, ele plugou um
laptop em um sistema de cabeamento do MIT (Massachusetts Institute of
Technology) e o utilizou para baixar milhões de artigos acadêmicos da
biblioteca digital JSTOR. Nunca ficou provado se a intenção de Aaron era
realmente disseminar todos os artigos publicamente, exatamente como foi
feito com o PACER.
Além dessas e outras coisas, Aaron
ajudou a criar o padrão RSS, que alterou o modo como o conteúdo era
distribuido na web; foi um dos primeiros arquitetos do Creative Commons;
ajudou a emplacar os protestos contra o SOPA/PIPA; foi um dos criadores
do site Reddit; e fundou o Demand Progress, organização especializada
em petições contra a censura na Internet.
Por muitos anos eu fui um fiel refém
do Google Reader, que funciona sobre a base do padrão RSS. É provavél
que mesmo sem saber, você tenha usado ou se beneficado de algo em que
Aaron tenha trabalho.
Mas se Aaron dedicou sua vida à
causa da liberdade de informação, no melhor espírito bibliotecário, ela
pode, no final, tê-lo traído. No momento do seu suicídio, Aaron estava
enfrentando acusações criminais federais de invasão de computadores.
Sua guerrilha com o PACER foi
inteiramente legal, mas o download dos artigos da JSTOR se tornou um
sério problema, ao ponto de ter sido pego em flagrante entrando no
sistema de cabeamento do MIT, usando seu capacete da bicicleta como uma
máscara para proteger o rosto das câmeras de segurança.
Estava enfrentando acusações federais por ter hackeado a JSTOR e se fosse condenado, teria de encarar 35 anos de prisão.
Nos 18 meses de negociações, Aaron
não estava disposto a aceitar a acusação de criminoso, e por essa razão
ele estava prestes a enfrentar um julgamento de milhões de dólares em
abril – o seu dinheiro tinha acabado, mas foi incapaz de apelar
abertamente ao mundo, para a ajuda financeira que precisava para
financiar sua defesa. E assim, tão triste, errado e equivocado como seu
suicídio foi, eu entendo (LESSIG) como a perspectiva dessa luta,
indefesa, fez com que este menino brilhante mas problemático, decidisse
acabar com tudo.
Aaron Swartz tinha 26 anos.
Invadindo o MIT
Inicialmente, pensava-se que Aaron
tinha utilizado uma das bibliotecas do MIT, assim como havia feito com
PACER, para rodar o programa que fez o download dos artigos da JSTOR. Na
verdade, ele invadiu uma área restrita do MIT.
Todo o propósito de ir até o MIT e
usar sua rede era para evitar que os downloads fossem associados a ele
próprio. Caso contrário, Aaron poderia ter acessado JSTOR em Harvard,
onde ele tinha vínculo institucional. Ele sabia que não estava
autorizado a baixar nada perto do número de artigos que queria e que as
pessoas tentariam detê-lo.
Depois de repetidamente mudar seu
endereço MAC para contornar as barreiras erguidas pelos administradores
de rede do MIT para parar a sua atividade na rede local, ele entrou em
um armário de fiação e escondeu o seu computador entre os equipamentos
em uma tentativa de continuar usando o serviço JSTOR sem autorização.
Ele estava preocupado que alguém fosse encontrar o seu computador e
fosse descoberto, de modo que cobriu o rosto com o capacete da bicicleta
para não ser identificado por uma câmera apontada para a porta do
armário. Isso aconteceu entre os dias 4 e 6 de janeiro de 2011. (TYPHA)
No momento das ações de Aaron, o
site JSTOR permitia um número ilimitado de downloads por qualquer pessoa
enquadrada em uma determinada classificação na rede do MIT. A aplicação
da JSTOR omitia até mesmo os controles mais básicos para evitar o que
eles poderiam considerar comportamento abusivo, como CAPTCHAs
desencadeados em múltiplos downloads, exigência de contas específicas
para downloads em massa, ou até mesmo a possibilidade de aparecer uma
caixa pop-up e avisar ao usuário sobre uma repetição de download.
Aaron não “hackeou” a JSTOR para
todas as definições razoáveis de “hack”. Aaron escreveu um punhado de
scripts básicos em python que primeiro descobriram as URLs de artigos de
periódicos e então usou cURL para solicitá-las. Aaron não utilizou
qualquer parâmetro de adulteração, nem quebrou um CAPTCHA sequer, ou fez
qualquer coisa mais complicada do que rodar uma linha de comando básica
que baixa um arquivo, da mesma forma como o botão direito do mouse e
“Salvar como” faria. (STAMOS)
De acordo com aqueles que o
conheceram, Swartz acreditava que era errado cobrar o valor estipulado
para o acesso a esses documentos, muitos dos quais foram produzidos por
acadêmicos de graça, e em alguns casos com o financiamento do governo.
(INGRAM) Mas não ficou provado se a intenção de Aaron era realmente
disseminar todos os artigos publicamente, simplesmente porque isso não
aconteceu – ainda que tenha feito exercício desse tipo anteriormente,
com a liberação dos documentos públicos no caso PACER.
Um palpite mais preciso quanto ao
que Swartz queria com os artigos da JSTOR: analisar os documentos como
parte de seu trabalho em curso sobre “a influência corruptora do
dinheiro nas instituições”… e não para liberar informação isenta de
direito autorais oferecidas por um gatekeeper ineficiente, como os dados
no PACER.
Em determinado momento, sua página
pessoal continha a descrição: “Ele é o autor de diversos artigos sobre
uma variedade de tópicos, especialmente a influência corruptora do
dinheiro em instituições sem fins lucrativos, incluindo, a mídia, a
política e a opinião pública. Em parceria com Shireen Barday, ele baixou
e analisou 441.170 artigos de revisão jurídica para determinar a origem
do seu financiamento, os resultados foram publicados na Revista de
Direito de Stanford (Stanford Law Review). A partir de 2010-11, ele
pesquisou estes temas como bolsista do Centro de Ética de Harvard.”
(KOTTKE)
Swartz nunca distribuiu qualquer
destes artigos baixados. Ele nunca teve a intenção de lucrar um único
centavo com isso e não conseguiu mesmo, de qualquer forma. Ele tinha
todo o direito de baixar os artigos como um usuário autorizado da JSTOR;
na pior das hipóteses, ele pretendia violar os “termos de serviço” da
empresa, tornando os artigos disponíveis para o público. Uma vez preso,
ele devolveu todas as cópias de tudo o que havia baixado e prometeu não
usá-las. JSTOR disse aos promotores federais que não tinha qualquer
intenção de vê-lo processado, embora o MIT tenha permanecido ambíguo
sobre suas intenções. (GREENWALD)
MIT admitiu que ele era um
“convidado” e o acordo de licença de acesso incluía “convidados”. Ele
tinha o direito de acesso manual, mas automatizou o processo, porque
essa era sua natureza. Ele automatiza tudo. (SYMBOLSET)
O crime que ele foi acusado,
devidamente colocado, foi de “automatizar o acesso à informação que ele
legalmente só era autorizado acessar manualmente”.
Aaron criminoso
Aaron Swartz foi indiciado pelo
governo dos EUA. Foi acusado do download de muitos artigos de revistas
acadêmicas a partir da web. O governo alega que o download desses
artigos é, na verdade, crime de hacking e deve ser punido com pena de
prisão.
Pessoas ligadas à Aaron não podiam
acreditar que aquilo pudesse fazer qualquer sentido. Era como prender
alguém por ter pegado emprestado muitos livros da biblioteca. Ainda mais
estranho era que a suposta vítima, JSTOR, tinha retirado todas as
reivindicações contra Aaron, explicando que eles não sofreram nenhuma
perda ou dano, e pediu ao governo para não processa-lo. (DEMAND
PROGRESS)
James Jacobs, bibliotecário de
documentos governamentais da Universidade de Stanford, também denunciou a
detenção: “a acusação de Aaron enfraquece a pesquisa acadêmica e os
princípios democráticos”, disse Jacobs. “É incrível que o governo tente
prender alguém por supostamente pesquisar artigos em uma biblioteca.”
(ATLANTIC)
Mesmo que todas as alegações da
acusação fossem verdadeiras, o único crime real cometido por Swartz foi
invasão de propriedade simples, pelo qual as pessoas são punidas, no
máximo, com 30 dias de prisão e uma multa de 100 dólares.
Ninguém sabe ao certo por que os
promotores federais decidiram perseguir Swartz de maneira tão vingativa,
como se ele tivesse cometido algum crime grave que merecesse muitos
anos na prisão e ruína financeira. Alguns teorizam que o Departamento de
Justiça o odiava por seu ativismo e desobediência civil em série.
(GUARDIAN)
Se a JSTOR disse que não se importava, então por que os federais?
O MIT provavelmente só se preocupou
porque, se eles disessem que não, os vendedores de bases de dados iriam
suspender as bibliotecas das assinaturas – que os pesquisadores,
professores e alunos precisam para o trabalho vital de pesquisa. Eles
provavelmente não poderiam apoiar ativamente Aaron. (NERAD)
Bom senso diz que você não pode
prender alguém por três décadas por download de artigos científicos. Mas
o que podia piorar, piorou.
A punição oferecida foi de até 50
anos de prisão federal – mais do que os americanos dão por homicídio
múltiplo – e o custo de defesa seria, de acordo com o Ministério
Público, de cerca de US $ 1,5 milhão, que a família não possuia.
Eles iriam empobrecer sua família e
jogá-lo em uma prisão federal do estilo “arrombe meu cú” para o resto de
sua vida por acessar informação que ele estava legalmente autorizado a
utilizar, mas tendo feito de modo errado. (SYMBOLSET)
Ele se suicidou para salvar sua
família do custo de defendê-lo quando ficou claro que a defesa iria
empobrece-lo e não iria salvá-lo. Ele salvou o futuro de sua família
quando se tornou claro que seu futuro estava perdido. (SYMBOLSET)
Aaron se enforcou em seu apartamento no Brooklin, no dia 10 de janeiro de 2013.
Jstor
JSTOR acusou certo dano incidental
ao seu sistema e usuários do MIT, visto que os downloads de Aaron
causaram a queda de vários servidores. Chame isso (presumivelmente) de
um DDoS acidental. Assim, o acesso de um número considerável de usuários
foi degradado seriamente. Além disso, a estimativa de prejuízo de
várias pessoas-horas tentando rastrear e solucionar o problema.
Representantes da empresa falavam
que a parte mais triste de tudo é que Aaron poderia ter conseguido
muitos, a maioria, dos documentos em questão – bastava apenas pedir –
com o argumento chave de que a JSTOR não é dona dos artigos, apenas
oferece um serviço de busca e recuperação. Na época, JSTOR já havia
feito arranjos com acadêmicos para downloads de grande volume ou
transferências de documentos.
JSTOR (de Journal Storage) é uma
organização sem fins lucrativos fundada em 1994 pela Andrew W. Mellon
Foundation com o objetivo de digitalizar e distribuir revistas
acadêmicas online. O projeto foi idealizado na Universidade de Michigan,
com um subsídio inicial de U$ 700.000 para hardware e software, além de
um extra de U$ 1,2 milhão para pagar a digitalização de apenas “10
revistas centrais em história e economia” (hardware, escanemento e
desenvolvimento de software eram astronomicamente caros naqueles dias.)
Dezenove anos depois, JSTOR
digitaliza e distribui mais de 1.400 periódicos, principalmente para
universidades e bibliotecas. As revistas são divididas em diferentes
“coleções” (“Arts & Sciences VIII”, por exemplo, dispõe de 140
títulos, incluindo uma série rara de revistas de arte dos séculos 19 e
20). O preço para o acesso a estas coleções varia muito, em função da
dimensão, natureza e localização do assinante. O acesso é livre para
qualquer instituição sem fins lucrativos no continente Africano, por
exemplo, e em um número de países em desenvolvimento em outras partes do
mundo. Nos EUA, no entanto, pode custar a uma faculdade mais de U$
50.000 para o acesso de alto nível; se você ensina ou estuda em uma
instituição participante, você pode ler gratuitamente todo o material
que a sua instituição subscreve. (BUSTILLOS)
JSTOR oferece um serviço de
indexação, busca e recuperação para uma ampla variedade de documentos
históricos e acadêmicos. Alguns deles são de domínio público. Alguns
estão com direitos autorais, e são disponibilizados para os usuários
JSTOR por meio de acordo com os proprietários dos direitos autorais.
(Você paga a JSTOR, JSTOR paga o proprietário dos direitos autorais).
Alguns são o resultado de pesquisa financiada pelo contribuinte (tanto
nos EUA como em outros países).
As leis em torno disso são
complicadas, mas vamos a parte simples. Se um artigo é de domínio
público ou é coberto por leis que exigem a divulgação livre (que se
aplica a muitos projetos de pesquisa financiados publicamente nos EUA),
então você, ou Aaron, ou alguém, são perfeitamente livres para baixá-los
da JSTOR e publicá-los em qualquer lugar. Sim, você tem que pagar a
JSTOR – uma vez – porque está pagando pelo serviço – não pelo conteúdo.
Se você quiser então distribuir o conteúdo, você pode.
Alguns editores cobram dos usuários
de fora do sistema de assinatura institucional uma taxa por artigo para o
acesso ao material na íntegra, uma prática que tem irritado muitas
pessoas, dado que muito desse material é de domínio público, e o direito
da editora de bloquear o acesso a tal material parece, portanto,
questionável.
Muitas pessoas parecem acreditar que
não custa nada para tornar documentos disponíveis online, mas isso
absolutamente não é verdade. Sim, você pode digitalizar uma revista
acadêmica e colocá-la online, mas se você quer oferecer disponibilidade,
confiabilidade permanente, custa uma enorme quantidade de dinheiro só
para manter a entropia acontecendo. Além disso, você tem que indexar o
material para torná-lo pesquisável, o que não é um trabalho pequeno.
Para tudo tem que ser feito backups. Quando um disco rígido frita,
quando os servidores ou software de banco de dados se tornam obsoletos
ou quebram, quando um novo anti-vírus é necessário, tudo isso requer uma
infra-estrutura estável e permanente e que não sai barato. Finalmente,
quanto mais tráfego você tiver, mais custa manter o acesso rápido e
ininterrupto ao servidor. No caso do JSTOR eles estão lidando com muitos
milhões de visitas todos os meses, e não podem cometer erros.
Então JSTOR é um cara legal? Talvez
não, mas certamente seria bom se eles tornassem seus materiais de
domínio público disponíveis para o público em geral. Mas se você é um
bibliotecário acadêmico, JSTOR, uma organização sem fins lucrativos,
provavelmente não está fazendo seu sangue ferver como as editoras com
fins lucrativos, como a NPG (Nature) e Reed Elsevier (The Lancet).
Outra coisa a considerar é que os
escritores acadêmicos são pagos através de salários e subsídios, não são
pagos (não diretamente, pelo menos) para a publicação de seu trabalho.
Todo o sistema de compensação para conteúdo acadêmico é muito diferente
de publicação comercial. Quando você pagar por um artigo JSTOR online,
nenhum dinheiro vai para o autor, ele vai para o editor. (BUSTILLOS)
Custo do conhecimento
JSTOR não é culpada pelo suicídio de
Aaron. JSTOR não tem fins lucrativos. Os indícios são que Aaron
escolheu JSTOR por conta do tipo de conteúdo disponibilizado pela base.
Poderia ter sido qualquer outra grande base de dados, com ou sem fins
lucrativos. Jamais saberemos se a intenção era simplesmente distribuir
os arquivos baixados (como em um grande torrent, como de fato foi feito
posteriormente por terceiros com os arquivos da Royal Society em
“homenagem” ao processo de Aaron) ou se ele estava fazendo apenas um
gigante levantamento bibliográfico e a maneira mais rápida e simples de
fazer isso era hackear o sistema e baixar o grande volume de artigos de
uma só vez.
Aaron foi um pioneiro nos novos
métodos de pesquisa acadêmica utilizando coleta de dados e análise em
grande escala. Ele já possuia uma vasta experiência em baixar e analisar
enormes conjuntos de dados e nesse processo ele ajudou a reforçar nosso
entendimento sobre quem controla o acesso ao conhecimento – desde
corrigir suposições errôneas sobre quem na verdade é a maioria dos
autores dos verbetes na Wikipédia até levantar alarmes sobre a
influência empresarial indevida na concessão de bolsas acadêmicas. Até
onde se sabe, Aaron estava estudando a influência corruptora do dinheiro
em uma ampla variedade de instituições, incluindo universidades e o
governo, quando começaram seus problemas com a JSTOR. (YEO, JACOBS)
Aaron personifica o compromisso
apaixonado dessa geração mais jovem em relação ao governo aberto, o
acesso universal e gratuito ao conhecimento, e uma sociedade civil
informada. (SANDERS) Sobretudo, é muito difícil dissociar o caso, que
culminou no suicídio de Aaron, com as reinvindiações do movimento do
acesso livre e a manutenção de um sistema de publicação acadêmica que
está claramente equivocado.
Em um artigo anterior, eu indiquei
que as intensas críticas sob quais os grandes editores comerciais de
periódicos científicos estão nos últimos meses parte de acadêmicos
insatisfeitos com o fato de o trabalho produzido por eles e seus pares,
financiado em grande parte pelos contribuintes (por meio de recursos
públicos, editais de fomento, bolsas de pesquisa e orçamentos das
universidades e instituições de pesquisa), permanecer acessível somente
mediante pagamento avulso ou contratos de assinaturas junto às editoras
responsáveis pela publicação desses trabalhos. Um duplo pagamento por
parte dos contribuintes: na comissão da pesquisa e no acesso aos
resultados.
O Brasil gasta em torno de R$120
milhões anuais para garantir que 326 instituições do país acessem mais
de 31 mil revistas científicas por meio do Portal de Periódicos da
Capes, modelo de consórcio de bibliotecas único no mundo, inteiramente
financiado pelo governo nacional. É importante ressaltar que o Portal de
Periódicos da Capes foi criado justamente sob a perspectiva de que
seria demasiadamente caro atualizar os acervos com a compra de
periódicos impressos para cada uma das universidades do sistema superior
de ensino federal.
Obviamente o valor investido nesses
contratos é muito inferior ao que seria necessário para dotar as
instituições individualmente, com o mesmo acervo de periódicos, mas a
premissa desses investimentos e ponto primordial do debate da Primavera
Acadêmica é consensual: o preço das assinaturas de periódicos
científicos cresceu ao ponto de se tornar insustentável para as
instituições de pesquisa e universidades. Outrossim, as universidades
públicas devem oferecer informação gratuitamente – assim como o
financiamento público deve gerar bens públicos.
Sempre que alguém não vinculado a
instituições associadas ao consórcio do Portal de Periódicos da Capes
tenta acessar um artigo de periódico online, o acesso ao resumo do texto
é geralmente livre. Sem esse vínculo, a leitura de um único artigo na
íntegra publicado por um dos periódicos da JSTOR custa aproximadamente
25 dólares (JSTOR oferece a chance de criação de uma conta e a liberação
de 3 artigos na íntegra a cada 14 dias, gratuitamente).
Elsevier custa 31,50 dólares
(aproximadamente 65 reais). A Springer cobra 34,95 dólares
(aproximadamente 72 reais) e Wiley-Blackwell, 42 dólares
(aproximadamente 87 reais). À guisa de exemplo, uma recente licença de
acesso aos artigos e periódicos eletrônicos do publicador, às
instituições usuárias do Portal de Periódicos da CAPES, foi obtida por
meio de contrato de licitação ao valor de 132.221 reais pela assinatura
de 14 títulos de periódicos vinculados à American Physiological Society.
Pergunte a si mesmo, que valor a
JSTOR e outras editoras agregam que valha 30 dólares por artigo na era
moderna de distribuição digital? (BRADOR)
O fato é que a maioria dos
“criadores” da propriedade intelectual oferecida pelas bases de dados
deseja compartilhar seu trabalho com o público de forma gratuita, mas
por causa de um sistema profundamente quebrado, não pode. Acadêmicos e
cientistas fazem pesquisa que é em larga escala paga pelo contribuinte
por meio de erário público. Os pesquisadores são então forçados a
normalmente ”pagar “ editoras para publicar seu trabalho, cedendo seus
direitos autorais para eles (trabalho que eles não pagaram, nem criaram)
e depois, elas vendem de volta para as universidades cobrando um valor
para que outros acadêmicos possam ler o material. Os “criadores” não
recebem nenhuma compensação e na verdade pagam para ter seu trabalho
publicado.
Os periódicos são em sua maioria
vendidos de volta para bibliotecas e universidades, as mesmas pessoas
que criaram o conteúdo. Até a década de 1960 os periódicos foram
publicados em sua maioria por organizações sem fins lucrativos. Desde
então o setor privado assumiu. E com ele vieram preços altamente
inflacionados.
Graças a concentração da indústria,
os editores agora se safam vendendo “pacotes”. Três editoras controlam
mais de 42% do mercado. Isso significa que, a biblioteca e a
universidade não podem escolher quais revistas comprar. Elas têm que
comprar pacotes de assinatura agrupados, como na TV a cabo. (GLINSKY)
Sem contar que é simplesmente
impossível conseguir uma assinatura individual com a JSTOR e principais
editoras científicas. (ESTÉS)
Recapitulando
1) Os impostos que você paga financiam pesquisas.
2) Os impostos que você paga são
utilizados para pagar as taxas de publicação (geralmente na ordem de
algumas centenas de reais) para editores acadêmicos com fins lucrativos.
3) Os impostos que você paga são
utilizados para comprar de volta a pesquisa que você pagou para ter
início, normalmente sob preços e taxas exorbitantes oferecidos pelas
editoras
4) Os criadores da propriedade
intelectual (pesquisa) não são financeiramente compensado em nenhuma
maneira. Muito menos os revisores que fazem a maior parte do trabalho de
“publicação” desses artigos
Parece um sistema inteiramente
equivocado. Era contra isso que Aaron Swartz estava lutando. São pontos
que muitos acadêmicos e bibliotecários têm levantado há vários anos,
aparentemente com relativo sucesso, mas saldo econômico pouco positivo.
Não restam dúvidas que o movimento de open access se ampliou nos últimos
anos, mas as assinaturas de periódicos continuam necessárias e
extremamente altas. Esse é um sistem onde você paga pela mesma coisa
três vezes, e o criador não recebe qualquer benefício financeiro.
Lei
No final de 2010 e início de 2011, Aaron
Swartz utilizou a rede de dados do MIT para baixar em massa uma parte
substancial da coleção de milhões de artigos de periódicos acadêmicos
oferecidos pela biblioteca eletrônica JSTOR. Quando o ataque foi
descoberto, JSTOR bloqueou o download, identificou Aaron, e em vez de
perseguir acusações civis ou criminais contra ele, em junho de 2011
chegou a um acordo em que ele devolveu os dados baixados.
No mês seguinte, no entanto, as
autoridades federais denunciaram Aaron com vários crimes relacionados à
roubo de dados, incluindo fraude eletrônica, fraude de computador,
obtenção ilegal de informações de um computador protegido, e causar
danos de forma imprudente a um computador protegido. Os promotores no
caso disseram que Aaron agiu com a intenção de tornar os artigos da
JSTOR disponíveis em sites de compartilhamento de arquivos P2P. Eles
pressionaram, mesmo depois de a JSTOR dizer que não estava interessada
em prosseguir com acusações criminais.
Swartz se entregou às autoridades,
não se declarou culpado de todas as acusações, e foi libertado sob
fiança de 100 mil dólares. Em setembro de 2012, os promotores
norte-americanos aumentaram o número de acusações contra Swartz de
quatro para treze, com uma eventual sanção de dezenas de anos de prisão e
1 milhão de dólares em multas. O caso ainda estava pendente quando
Swartz cometeu suicídio em janeiro de 2013. (WIKIPEDIA)
Do ponto de vista da acusação este
não era um crime sem vítimas. Aaron invadiu um serviço e capturou
informações, que a JSTOR cobra 5 dígitos para acessar, com a intenção de
distribuí-lo em uma rede de compartilhamento de arquivos e, assim,
destruir o valor comercial dessa informação. Se você ler a acusação,
parece mostrar que Aaron fez isso com a intenção de destruir o valor
comercial da informação, porque ele se opõe a comercialização desse tipo
de informação. A acusação do promotor é que Aaron deliberadamente
decidiu prejudicar uma organização, visto que era incompatível com a sua
própria ideologia. (TPTACEK)
Neste ponto, não é a JSTOR que quer
este caso julgado, mas apenas os agentes do governo. E eles estão apenas
passando as moções. Os promotores precisam de convicções, promoções e
mídia para ter sucesso em seus trabalhos (JOHNSON). Bem parecido com os
pesquisadores que precisam publicar em revistas Qualis e com alto fator
de impacto para garantir cargos e salários.
É possível também ouvir Aaron
repetindo, seguidamente, que o propósito é liberar a pesquisa acadêmica.
Difícil crer, mas trata-se muito mais de um manifesto pelo open access
do que um clamor pela falência da JSTOR. (TATUSKE)
Lawrence Lessig, que trabalhou com
Swartz no Creative Commons e outros projetos, escreveu um post dizendo
que o que seu jovem amigo fez com a JSTOR era errado – embora o
princípio possa ser razoável – mas que o caso do governo contra ele era
repreensível e exagerado ao extremo. Vamos lembrar: o governo dos EUA
foi atrás de Aaron Swartz, com tudo o que tinham, para prende-lo por 35
anos por ter baixado artigos de periódicos. (CARMODY)
Vergonha é não nos impressionarmos
com o grito vindo da esmagadora maioria dos homens negros e pobres que
estão apodrecendo nas cadeias do Brasil e do mundo por delitos menores
(KIM). Aaron fez o download de milhões de trabalhos acadêmicos. Isso é
roubo? Se sim, é de alguma forma “errado?” (BOUIE) Não me parece que
estamos lidando aqui com um criminoso.
O suicidío de Aaron não é
simplesmente uma tragédia pessoal. É o produto de um sistema de justiça
criminal repleto de intimidação e procuradoria exagerada. As decisões
tomadas pelos funcionários da Procuradoria do Massachusetts e do MIT
contribuíram para sua morte. (FAMÍLIA)
Silva Meira publicou um post após a
notícia do suicídio, explicando que o poder dos estados, segundo charlie
nesson, fundador do berkman center, deve ser limitado, proibindo penas e
recompensas que sejam tão severas e opressivas ao ponto de serem
totalmente desproporcionais à ofensa e obviamente sem razão de ser. Não
seria este o caso do processo contra Swartz? Acusações que não tinham o
aval de quem tinha direito sobre as cópias dos artigos, a JSTOR?
Em suma, Aaron Swartz não era o
incansável super-hacker descrito na acusação do Governo e relatórios
forenses, e suas ações não representaram um perigo real para JSTOR, MIT
ou ao público. Ele era um jovem inteligente que encontrou uma brecha que
lhe permitia baixar um monte de documentos rapidamente.
Se eu (STAMOS) tivesse tomado a
posição como o planejado e fosse questionado pelo Ministério Público se
as ações de Aaron foram “erradas”, eu provavelmente teria respondido que
o que Aaron fez seria melhor descrito como “imprudente”. Da mesma forma
que é imprudente escrever um cheque no supermercado, enquanto uma dúzia
de pessoas fazem fila atrás de você ou pegar emprestado todos os livro
na biblioteca necessários para um trabalho da disciplina de história. É
imprudente baixar muitos arquivos em uma rede wifi compartilhada ou
rastrear o Wikipedia muito rapidamente, mas nenhuma dessas ações deve
assombrar uma pessoa jovem com a possibilidade de uma sentença de 35
anos de cadeia.
A defesa legal de Aaron pode até
parece ser “mas no meu sistema moral isso foi uma coisa boa”. (LISSA)
Mas um dos princípios básicos da justiça é o conceito de
proporcionalidade (ou seja, a punição deve ser proporcional ao crime). É
por isso que nós não cortamos fora as mãos das pessoas por furto, pelo
menos não nos Estados Unidos, pelo menos não ainda. (SPAREPART)
O governo usou as mesmas leis
destinadas a ladrões de bancos digitais para ir atrás de Aaron. Isso
porque as leis existentes não reconhecem a distinção entre dois tipos de
crimes informáticos: crimes dolosos cometidos com fins lucrativos, tais
como o roubo em larga escala de dados bancários ou segredos
corporativos e casos em que os hackers invadem sistemas para provar sua
habilidade ou espalhar informações que eles acham que devem estar
disponíveis para o público. (USATODAY)
Tem sido amplamente afirmado que
Swartz pretendia distribuir ao público o material da JSTOR que ele
baixou, por exemplo, postando o lote em um site de compartilhamento como
o Pirate Bay. E não é de admirar que as pessoas estão dizendo isso,
porque é o que a acusação do governo alega diretamente. Entretanto, a
acusação não fornece um fragmento de evidência para apoiar estas
alegações. A procuradora Carmem Ortiz, responsável por sustentar a pena
de 35 anos a Aaron, disse: “Roubar é roubar, seja usando um comando de
computador ou um pé de cabra, seja pegando documentos, dados ou dólares.
É igualmente prejudicial para a vítima, independente de você ter
roubado ou doado”. Mas então qual exatamente é o roubo aqui? (BUSTILLOS)
Roubar é fácil de entender no mundo
analógico. Pego um livro da livraria sem pagar. A loja não tem mais o
livro – eu tenho. A livraria não pode mais vendê-lo. Se eu destruir o
livro, ele deixa de existir. Se eu mudar de idéia, eu posso devolver o
livro de volta pra prateleira.
O conceito atual, amplamente
sustentado, do roubo digital é que se trata de uma forma de violação de
direitos autorais. Você pode ter ouvido falar do caso Tenenbaum, onde um
garoto de faculdade baixou 30 músicas de sites de compartilhamento de
arquivo e foi obrigado a pagar 675.000 dólares em prejuízos de direitos
autorais, em vez de U$ 30, o custo dessas músicas no iTunes. Roube 30
músicas, levando pra casa um CD de uma Saraiva ou Livraria Cultura, e
você terá 30 reais de danos criminais. Baixe 30 músicas, e você é um
infrator de direitos autorais. A este ritmo, o iPhone no seu bolso está
carregando R$ 100 milhões em mercadorias roubadas.
Este modelo de direitos autorais não faz sentido
Nem o modelo de roubo analógico, nem
o modelo de direitos autorais nos ajudar a entender o caso de Aaron
Swartz. O governo federal acusou Swartz de utilizar a rede do MIT para
download de mais de 4 milhões de artigos da JSTOR. O que Swartz
supostamente roubou? Swartz não “roubou” os dados – JSTOR ainda tem seus
dados. Cada artigo permanece pacificamente nos servidores da JSTOR.
Será que Swartz infringiu direitos autorais? Muitos dos artigos são de
domínio público, tanto que a acusação nem mesmo o acusou de violação de
direitos autorais. E a intenção de violar direitos de autor não é um
crime nos EUA, é pré-crime. Mas isso não significa que Aaron não tirou
nada da JSTOR.
O que Aaron supostamente tirou da
JSTOR foi o controle. O controle sobre a distribuição de arquivos
infinitamente reproduzíveis. Controle que foi cuidadosamente negociado e
estabelecido por acordos de licenciamento complexos com editoras e
universidades. Controle que vale muito dinheiro. (Uma parte desse valor é
certamente justificada. A informação quer ser livre, mas custa dinheiro
transformar papel em arquivos digitais. Custa dinheiro hospedar os
arquivos, torná-los pesquisáveis e manter os servidores funcionando.
Embora a JSTOR seja sem fins lucrativos, alguns editores certamente
procuram um lucro. Se os preços da JSTOR para artigos individuais e
taxas de assinatura institucional garantem o retornar de um justo – ou
exorbitante – lucro para as editoras, eu vou deixar vocês decidirem).
Mas os serviços da JSTOR dependem da manutenção do controle sobre a
distribuição de seus arquivos.
Cada vez que um aluno faz o download
de um artigo da JSTOR, ela aceita o risco de que o estudante poderá
transmitir o arquivo para um amigo, um colega de classe ou imprimir uma
cópia. Aaron supostamente elevou esse risco ao nível da extinção, antes
da JSTOR resolver sua disputa com ele. Mas não vamos entender nada se
encolhermos os ombros e dizer “roubar é roubar.” O download de
documentos que permanecem em servidores da JSTOR e que são legalmente de
domínio público não é o mesmo que usar um pé de cabra para fugir com as
jóias de uma família. (PHILLIPS)
Liberdade de informação
Quando o governo federal americano
foi atrás dele – e o MIT timidamente jogou junto – não estavam
tratando-o como uma pessoa que pode ou não ter feito algo estúpido. Ele
foi um exemplo. E a razão pela qual lançaram a espada da lei em cima
dele não era para ensinar-lhe uma lição, mas para estabelecer uma
mensagem para toda a comunidade hacker de Cambridge de que eles estão
entregues à própria sorte. Era uma ameaça que não tinha nada a ver com
justiça e tudo a ver com uma batalha mais ampla sobre o poder sistêmico.
Nos últimos anos, os hackers têm desafiado o status quo e posto em
causa a legitimidade de inúmeras ações políticas.
Seus meios podem ter sido
questionáveis, mas as suas intenções foram valentes. A ideia de uma
democracia é sempre questionar os usos e abusos de poder, a fim de
evitar que a tirania surja. Ao longo dos últimos anos, temos visto
hackers demonizados como anti-democráticos, embora muitos deles se vêem
como combatentes contemporâneos da liberdade. E quem está no poder usou
Aaron, distorcendo seu projeto de libertação da informação como uma
história de hackers viciosos cujos atos terroristas pretendem destruir a
democracia.
Muitas das bandeiras que Aaron
levantava – a liberdade de acesso ao conhecimento, acesso aberto à
informação, bem como a utilização de programação para tornar o mundo
melhor – são valores fundamentais da comunidade geek [e da comunidade
bibliotecária]. Se queremos alcançar os valores e objetivos que são
essenciais para as nossas comunidades, eu (DANAH BOYD) não acho que nós
vamos fazer a diferença através da criação de mais mártires que podem
ser usados como exemplo em uma guerra cultural. Precisamos buscar uma
abordagem de mudança que não resulta em pessoas brilhantes sendo tomadas
como exemplos para que possam ser atormentado pelo poder.
Informação é poder
Em seu manifesto da guerrilha do
acesso livre, Aaron disse concordar que informação é poder. E como todo
poder, sempre tem alguém querendo mantê-lo só para si.
Aaron, Manning, Assange, Kyriakoy,
Ocuppy, todos perseguidos, processados, alguns torturados. Por quê? Por
falar a verdade sobre o poder, por revelar corrupção, crimes de guerra.
Por liberar informações.
Enquanto isso, Yoo, Addington,
Libby, Cheney, Rumsfeld, Gonzales saem por aí assinando lançamentos de
livros e dando palestras sobre segurança nacional. Os assassinos,
torturadores e apologistas da tortura são celebrados. Os denunciantes
esmagados.
Blankfein, Greenberg, Pandit,
Mozilo, Geithner, viajam por aí dando palestras sobre responsabilidade
fiscal, em vez de apodrecer na prisão por fraude, roubo, peculato,
suborno, corrupção e vários conspirações criminosas.
Esta é a repugnante injustiça que
está por trás da morte de Aaron Swartz. Um Departamento de Justiça que
faz uma paródia da palavra “justiça”, onde o Estado de Direito tornou-se
uma piada, onde os maiores criminosos de nossos dias vestem terno e
gravata e estão absolutamente acima de qualquer suspeita, enquanto os
mais pobres recebem acusações implacáveis, de tolerância zero, para o
menor das delinquências.
Aaron foi amaldiçoado com a
capacidade de abrir sua mente larga o suficiente para ver o mundo em
toda a sua feia injustiça e realidade. Seu idealismo, paixão e
honestidade o fizeram dizer a verdade sobre o poder, e por isso ele foi
esmagado.
Existem apenas dois crimes que são punidos nesse país agora: ser pobre ou desafiar os poderosos. (ANDREASMA)
Ao pensar sobre o que aconteceu com
Aaron, precisamos reconhecer que não foi apenas o exagero do Ministério
Público que o matou. Isso é muito fácil, porque isso implica que apenas
uma maçã é podre. Nós sabemos que isso não é verdade. O que o matou foi a
corrupção. A corrupção não é apenas pessoas que lucram traindo o
interesse público. É também sobre pessoas que estão sendo punidas por
defender o interesse público. Em nossas instituições de poder, quando
você faz a coisa certa e desafia o poder abusivo, você acaba destruindo
uma perspectiva de trabalho, uma oportunidade econômica, uma ligação
política ou social, ou uma oportunidade para a mídia. Ou se você é
realmente perigoso e subversivo de forma brilhante, como Aaron, você
está falido e destruído. Há uma razão para que os agitadores sejam
eliminados.
Enquanto o que aconteceu naquele dia
foi tecnicamente sobre a internet, deve ser lembrado, e Aaron deve ser
lembrado, no contexto da justiça social. Aquele dia foi sobre uma
chamada para um mundo diferente, não apenas proteger a nossa capacidade
de acesso a sites e artigos científicos da web. E devemos lembrar estes
valores subjacentes. Isso ajudaria as pessoas a compreender que a
justiça pode ser extremamente cara, e que nós arriscamos muito quando
permitimos que aqueles que fazem a coisa certa sejam punidos. De alguma
forma, precisamos reconstruir uma cultura que respeite as pessoas como
Aaron e se afaste da ganância e da propina que ele odiava.
Aaron foi impulsionado por um desejo de justiça, e não apenas por liberdade de informação. (MATT STOLLER)
A responsabilidade dos bibliotecários
Uma das razão para os federais irem
atrás de Aaron é que ele era, assim como nós bibliotecários devemos ser,
um defensor apaixonado da Internet livre e do acesso aberto. Ele foi
bastante franco sobre o acesso aberto em particular, publicado em 2008
no seu “Manifesto da Guerrilha Open Access”, que traz uma direta
convocação aos bibliotecários:
A herança inteira do mundo
científico e cultural, publicada ao longo dos séculos em livros e
revistas, é cada vez mais digitalizada e trancada por um punhado de
corporações privadas. Aqueles com acesso a esses recursos – estudantes,
bibliotecários, cientistas – a vocês foi dado um privilégio. Vocês
começam a se alimentar nesse banquete de conhecimento, enquanto o resto
do mundo está bloqueado. Mas vocês não precisam – na verdade,
moralmente, não podem – manter este privilégio para vocês mesmos. Vocês
têm um dever de compartilhar isso com o mundo. E vocês têm que negociar
senhas com colegas, preencher pedidos de download para amigos. (AARON
SWARTZ)
Os bibliotecários deveriam se
preocupar com o acesso livre, como profissionais e cidadãos, porque
fazem parte da engrenagem de um sistema de publicação científica que se
mostra inadequado. Devem também assumir as implicações éticas pelo fato
de alimentarem uma relação direta com editores acadêmicos que possuem
interesses muito mais comerciais do que científicos.
Acabamos de receber a notícia de que
o CNPq cortou sua fatia de financiamento ao Scielo, e que isso
compromete o desempenho do portal. Se o Scielo, que seria o supra sumo
da informação livre, com todos seus periódicos disponíveis livremente,
não é sustentável, ao contrário das editoras que não pagam nada pela
produção, mas cobram pelo acesso ao conteúdo, então alguma coisa está
seriamente errada na publicação científica. (voltaram atrás, CNPq vai
continuar apoiando o Scielo, mas a sensação de insustentabilidade ficou
no ar)
Bibliotecários precisam trabalhar
juntos de editores, revisores, pesquisadores, financiadores e leitores
para criar um processo de disseminação do conhecimento e consumo de
informação, com uma atitude direcionada para maximizar o impacto
produzido pelos resultados de pesquisa financiada com recursos públicos,
em particular as publicações em periódicos científicos.
Nada disso é novidade para muitos
bibliotecários. Mas é preciso cada vez mais articular ações para
garantir que o futuro da publicação científica seja o de liberdade de
informação plena.
Vamos precisar propor e encarar
reformas nas leis de direitos autorais e a longo prazo, vamos precisar
de uma nova teoria da informação. Uma teoria que melhor identifica e
equilibra os direitos concorrentes à propriedade e à democracia, em um
mundo em que mais bens e serviços são digitais. A tecnologia libertou a
informação, o conhecimento é poder, e mais cedo do que você pensa, a
Biblioteca Nacional vai caber no seu Dropbox. Queremos prender o
conhecimento humano atrás de barreiras bizantinas negociadas pelas
grandes instituições? Aaron Swartz disse que não. [O que você enquanto
bibliotecário diria?] (PHILLIPS)
Como podemos contribuir
É o que fazemos há milênios, mas
ainda há muito a fazer. Os bibliotecários podem contribuir com a
liberdade de informação de diversas formas. Gostaria de sugerir algumas
coisas:
Leiam e compartilhem o Guerrilla Open Access Manifesto, do Aaron Swartz
Conheçam, assinem e divulguem a petição contra as práticas comerciais da Elsevier: thecostofknowledge.com
Acompanhem a tramitação da Lei Azeredo e se manifeste contrario à qualquer indicação contra a liberdade de informação
Faça valer nossos impostos e
divulgue o quanto puder o Portal Capes, oferecendo treinamentos e
suporte, para garantir que as assinaturas das revistas se justifiquem
Não hesite em auxiliar pessoas que precisam de artigos que não estão disponíveis por meio do Portal Capes
Participe e contribuia com o
intercâmbio de artigos científicos. Sempre que precisar de um artigo,
utilize as redes sociais para compartilhar a referência bibliográfica.
Provavelmente algum colega bibliotecário possui acesso digital ou físico
à esse material, reduzindo a burocracia e tempo despendido nos métodos
tradicionais de comutação bibliográfica
Encare a Lei de Acesso à Informação
como uma oportunidade de oferecer e garantir a transparência pública
entre as instituições do Estado
Trabalhe em pról de periódicos de acesso livre (SUBER)
Explique os benefícios e auxilie os pesquisadores da sua instituição a publicar em veículos de acesso livre
Crie um repositório de acesso aberto na sua instituição
Incentive e auxilie os membros da sua instituição a depositar seus artigos de pesquisa no arquivo institucional
Considere publicar um periódicos open-access, editado pelos pesquisadores da sua instituição
Considere rejeitar contratos ou
cancelar assinaturas de revistas que não conseguem justificar seus
preços elevados, e emita uma declaração pública explicando o porquê
Ajude as revistas OA lançados na sua
instituição a se tornarem conhecidas por outras bibliotecas, serviços
de indexação, potenciais financiadores, autores e leitores
Inclua revistas OA no catálogo da biblioteca
Ofereça assegurar a preservação de longo prazo de algum material de acesso livre
Realize a digitalização, acesso e
projetos de preservação, não só para pesquisadores de alto rendimento,
mas para grupos locais, sem fins lucrativos, organizações comunitárias,
museus, galerias, bibliotecas. Mostre os benefícios do OA para a
comunidade não-acadêmica em torno da universidade.
Se você além de bibliotecário é também um autor, considere:
Só submeter artigos para publicação em periódicos de acesso livre
Não prestar nenhum trabalho para revistas que não sejam de acesso aberto. Isso inclui revisão, indexação, normalização, etc.
Abrace outras alterações na
publicação científica, como a publicação pré-print, que permitem o
compartilhamento mais rápido dos artigos.
Moreno Barros é bibliotecário do Centro de Tecnologia da UFRJ. Graduado pela UFF,
mestre em Ciência da Informação pelo IBICT e doutorando em História das
Ciências na UFRJ.
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